MENU

É Possível Reconhecer uma União Estável Paralela a um Casamento?

M. Charles 22/03/2021 3044

É fato que vivemos em uma sociedade que de forma avançada cresce nas suas relações de afeto, e com várias situações “dinâmicas” nessas relações entre as pessoas (do mesmo sexo ou não).

Uma questão que vem crescendo no Direito Brasileiro, é a viabilidade de se reconhecer uma união estável na constância de um casamento.

É Possível Reconhecer uma União Estável Paralela a um Casamento?

Quem tem posicionamento contrário, afirma no geral que vigora o princípio da monogamia, que o dispositivo legal (§ 1º do art. 1.723 do Código Civil) que trata dos impedimentos, inclui pessoa casada e que pela letra da Lei não pode constituir uma União Estável.

Afirma-se ainda que, não se pode confundir o reconhecimento da União Estável (que não é possível, segundo que tem entendimento contrário) com as sociedades de fato da Súmula 380[1] do STF (que reconhece e necessariamente precisa se demonstrar e provar a contribuição à formação do patrimônio, inverso da União Estável que é presumida) que se tem como instituto Jurídico de Direito das Obrigações, este, que não analisa sob o aspecto da censura do adultério, etc mas sim do locupletamento ilícito.

Nosso artigo não trata do concubinato[2] impuro (adulterino) de longa duração, com reconhecimento da existência de sociedade de fato / união dúplice, sendo que o concubinato impuro se relaciona muitas vezes com a existência de amantes, ou atos de traição conjugal que não se confunde com a união estável e o tema agora tratado de forma direta. Há casos, pontua-se, que a amante beneficiária de seguro de vida teve que dividir tal benefício de indenização secundária. (STJ - REsp 100.888/BA).

Voltando a questão das situações paralelas de união estável e casamento, os posicionamentos contrários afirmam que se assim o for, abrir-se-á precedentes a admitir-se dois, três, quatro casamentos, e que tal situação simultaneamente não tem previsão legal.

Recentemente o STF[3] rejeitou o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas, decidindo que estaria caracterizando a bigamia (tipificada no art. 235 do Código Penal), CONSIDERANDO ILEGÍTIMA A EXISTÊNCIA DE 2 (DUAS) UNIÕES ESTÁVEIS, OU DE UM CASAMENTO E UMA UNIÃO ESTÁVEL, inclusive para efeitos previdenciários, assim a preexistência de casamento ou uma união estável, impede o reconhecimento de novo vínculo.

Arremate-se ainda, que os posicionamentos divergentes, consagram o dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento brasileiro.

É Possível Reconhecer uma União Estável Paralela a um Casamento?

A título exemplificativo, o Tribunal Bandeirante, não reconhece a união paralela (dúplice) em sua maioria de julgados:

CONCUBINATO IMPURO – Pretensão da companheira a quinhão na pensão previdenciária deixada pela morte ex-servidor – Alegada união estável ao longo de 30 anos – Continuidade do casamento anterior do segurado, que se dividia publicamente entre as duas famílias – Não reconhecimento do direito previdenciário à concubina – O Direito Brasileiro não admite a coexistência de dois casamentos ou de uma união estável paralela ao casamento, ou de duas uniões estáveis paralelas – A Carta Federal menciona a constituição de família e não de famílias, isto significando que a bigamia não é admitida ou incentivada, o que aconteceria em caso de reconhecimento de união estável com simples concubina – Se o marido mantém família originada do matrimônio, legalmente constituída, com ela convivendo socialmente, jamais poderá ser reconhecida, nos termos da Constituição, uma união estável desse cidadão com outra mulher, ainda que com ela mantenha relacionamento amoroso duradouro – (TJSP;  Apelação Cível 1024282-04.2015.8.26.0053; Relator (a): Fermino Magnani Filho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 9ª Vara de Fazenda Pública; j: 02/10/2017)

Em que pese o posicionamento majoritário se consubstanciar no princípio da monogamia, cuja ordem do “ideal” ou da “sociedade ideal” ou “perfeita”, ou seja, livre de toda ordem de traições e mantida integridade do casamento ou união “até que a morte os separe”, TEM SE QUE A REALIDADE ATUAL É ABSOLUTAMENTE DIVERSA.

Utilizo como exemplo um caso prático[4] em que uma pessoa por 17 anos mantinha publicamente duas células familiares, ou seja, de forma notória, duradoura e com ânimo de constituir família, tendo inclusive uma família o conhecimento da outra, com consentimento de ambas mulheres, e cuja situação se sedimentou ao longo de todos os anos. Este caso não teve êxito no Poder Judiciário Gaúcho.

É Possível Reconhecer uma União Estável Paralela a um Casamento?

Todavia, no dito acima, embora sem êxito, há de ver com outros olhos a questão, pois o caso concreto se viu a margem da livre escolha, decidindo-se sobre o rumo das suas próprias vidas, o que com o devido respeito a quem pensa o contrário, é descabido a marginalização de relacionamentos sob o fundamento de impedimento legal de assim reconhecer (art. 1.723, §1º cumulado com art. 1.521, VI, do Código Civil).

Penso que, devemos CONFERIR TRATAMENTO DESIGUAL A REALIDADE FÁTICA, QUE COM O DEVIDO RESPEITO, É PRESENTE NO DIA-A-DIA, sem violar a igualdade e dignidade da pessoa humana, NÃO CABENDO AO PODER JUDICIÁRIO SE FAZER DE CEGO ÀS RELAÇÕES BASEADAS NO AFETO (digo no sentido de uniões que persistem por um lapso de tempo considerável), na livre escolha, de forma preconizada e abarcada pelo preconceito e dogma impingido pela sociedade para a mesma ser vista como digna ou não.

É preciso ter a mente aberta para tais situações, e não negarmos que hoje muitas famílias são formadas por células familiares não comuns, lembrando que a família (independente de sua qualificação ou qualidade) tem proteção constitucional (art. 226 da Constituição Federal).

Nossa sociedade em uma grande parte, parece estar atrasada, se apegando a dogmas (fidelidade ou não por exemplo), deixando de lado os efeitos dessa união estável paralela a um casamento, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, efeitos legais, virando as costas para o Direito de Família moderno que com toda certeza se reveste do mesmo caráter de entidade familiar.

Sem dúvida alguma, um triângulo amoroso consentido, ou chamado de “poliamorismo” que indica uniões paralelas, já há muito ganha espaço no Direito de Família e no Poder Judiciário de Todo Brasil, sendo uma tendência a relativização do princípio da monogamia (ainda negado[5] em dezenas de decisões), ante a uma situação de fato existente, o que podemos equiparar tal negativa, como a histórica injustiça que se fazia com os filhos chamados “bastardos” – fora do casamento que era considerados ilegítimos. 

Lembro mais de injustiças, a que vivemos em uma sociedade atrasada e que ainda discriminam só as mulheres as categorizando (concubina, amante[6]), a qual, sem maior discussão, antigamente, não distante, para configurar união estável era necessário convivência por mais de 5 anos, situação que foi derrogada (Lei 9.278/96).

A ideia a se pensar, em questões familiares, e não em código moral da sociedade e ou particularidade de cada casal ou pessoa, o que levaria em conta questões de lealdade, fidelidade, etc, não se voltando a questão a tradicional existência ou não de “amantes” como assim dizem, MAS SIM DO ASPECTO A NÃO MARGINALIZAÇÃO DE NÚCLEOS ATUAIS FAMILIARES QUE MERECEM PROTEÇÃO JURÍDICA.

A título exemplificativo, o Tribunal Gaúcho, reconhece a união paralela (dúplice):

"Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, deve ser mantida a procedência da ação que reconheceu a sua existência, paralela ao casamento. A esposa, contudo, tem direito sobre parcela dos bens adquiridos durante a vigência da união estável. (...) O presente feito é a prova cabal de que uma pessoa pode manter duas famílias concomitantemente, e com as duas evidenciar a affectio maritalis, parecendo até que algumas pessoas têm a capacidade de se dividir entre tais famílias como se fossem duas pessoas, e não uma só" (TJ/RS. Apelação Cível 70015693476. Rel. Des. JOSÉ S. TRINDADE. J. 20/07/2006).

O Tribunal Bandeirante, tambem já reconheceu união paralela (dúplice):

Previdência privada. Ação declaratória ajuizada por companheira, objetivando o recebimento de parte da pensão por morte que é paga à esposa do falecido. União estável entre a demandante e o falecido juridicamente reconhecida. Famílias paralelas. Companheira e esposa que possuem condições igualitárias. Plausível que a pensão em testilha seja rateada entre a demandante (companheira) e a esposa (corré). Dá-se provimento ao apelo da autora, julgando-se procedente a ação por ela ajuizada, invertida a sucumbência. (TJSP;  Apelação Cível 0114912-65.2009.8.26.0011; Relator (a): Campos Petroni; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 2ª Vara Cível; j: 22/11/2016;

É Possível Reconhecer uma União Estável Paralela a um Casamento?

Em verdade existem correntes doutrinárias ao tema, e assim, respeitadas tais correntes sobre o paralelismo conjugal / afetivo, que não admitem relacionamentos concomitantes ( porque estaria incidindo em poligamia ou bigamia) e que tem decisões majoritárias em nossos Tribunais, é certo que, como exemplo, a união estável putativa[7] (art. 1.561, § 1º do Código Civil) é agasalhada pela boa-fé e vem ganhando forte corrente doutrinária, ou seja, a questão da união estável putativa é aquela que não se tinha conhecimento do casamento ou da união paralela, aliás é fato que todas as formas de união concomitantes constituem entidade familiar.

Fato é, que as discussões sobre o assunto em referência estão longe de se esgotarem, ainda há um apego ao fetichismo e a literalidade da lei, mas não no esqueçamos que AQUILO QUE É JUSTO NEM SEMPRE COINCIDE COM O QUE É LEGAL devendo como operadores do direito encarar a complexidade das dificuldades que sobrevêm, visto com o olhar atual e se colocando acima de tudo na situação do outro.

Nosso olhar, atualizado, deve ter relação ao amor, ao afeto, a eventual “segunda família”, com um olhar atrelado a relação familiar contemporânea e não ao preconceito, pois tais situações estão de fato em nossa sociedade.  

Este artigo tem a finalidade de trazer informações sobre a “conservação dos negócios”, a conversão e outros pontos ao conhecimento geral, e acima de tudo termos ideia de institutos relevantes de nossa legislação, pouco usados.

Marcos R Charles, Advogado-OAB/SP 401.363 – www.mcharlesadv.com.br

Advogado especializado em direito de família e das sucessões, atuante nas áreas cível e criminal.

--------------------------------------------------

[1] Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

[2] Código Civil: Art. 1.727 As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

[3] Recurso Extraordinário (RE) 1045273, com repercussão geral reconhecida

[4] Apelação Cível - Sétima Câmara Cível - Nº 70015133069 - Porto Alegre

[5] Ação de reconhecimento de união estável post mortem – Evidenciada a existência de relações afetivas paralelas – Inexistência de propósito de constituição de família, em especial pela inobservância ao dever de fidelidade exigido pelo sistema monogâmico adotado pelo ordenamento jurídico pátrio – Inteligência dos arts. 1.566, I, e 1.723 do Código Civil – Precedente do Superior Tribunal de Justiça – Sentença mantida (TJSP;  Apelação Cível 1014196-82.2015.8.26.0114; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 1ª Vara de Família e Sucessões; j: 06/10/2020;

[6] Há casos, como do REsp 1185337 / RS. RECURSO ESPECIAL. 2010/0048151-3, em que devido a um concubinato impuro de longa duração, houve a condenação em alimentos, caso peculiar em que a pessoa foi sustentada pelo amante por 4 décadas e já idosa, sendo aplicado o princípio da dignidade humana.

[7] Que não é de fácil comprovação – exigindo boa-fé e provas legais, exemplo o recurso no TJSP;  Apelação Cível 0004842-26.2012.8.26.0156; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cruzeiro - 2ª Vara Cível; j: “Conjunto probatório que não comprovou a existência de um relacionamento público, duradouro e contínuo entre a autora e o falecido – Inexistência dos requisitos configuradores da união estável previstos no artigo 1.723, do Código Civil – Hipótese, ademais, em que o falecido permaneceu como casado até seu óbito – Ausência de comprovação de boa-fé por parte da autora apta a ensejar o reconhecimento de união estável putativa

AGENDAMENTOS

Quer agendar uma consulta?

Fale diretamente com um advogado!

AGENDAR CONSULTA!

Compartilhe nas Redes Sociais:

Quer dar início no divórcio?
FALE DIRETAMENTE COM O ADVOGADO